NASA PODERÁ MUDAR A PARTICIPAÇÃO BRASILEIRA NA ISS**

Marcos Pontes
14/07/2006

A história não é nova. Muito menos a estratégia. O Brasil participa da Estação Espacial Internacional (ISS) desde 1997. Nunca conseguiu tirar do papel o seu compromisso com os outros 15 países participantes e construir partes da espaçonave-laboratório. Isto é, até hoje demonstramos toda a nossa “ginga” em adiar a construção e entrega desses componentes, mas nunca fizemos um “gol”. Nunca fabricamos nas indústrias nacionais sequer um “parafuso espacial” com a marca “made in Brazil” para essa cooperação.
Segundo o contrato inicial, iríamos construir seis peças relativamente “grandes”. A Agência Espacial Brasileira (AEB), responsável legal por todas as decisões brasileiras na cooperação, desistiu desse desafio em 2002. Situação extremamente desagradável junto aos outros parceiros. Aquilo marcou o início de minha “carreira diplomática técnica”. Com muita argumentação, conseguimos justificar junto ao conselho internacional do programa da ISS aquela falha inesperada do Brasil em cumprir a sua responsabilidade contratual. A solução veio por meio da “estratégia” de mudar o escopo de participação do país no projeto. Ao invés de construir seis peças importantes, ao custo de fabricação conjunto aproximado de US$120 milhões, a AEB passou a ser responsável pela fabricação de apenas 33 placas adaptadoras com valor total de US$10 milhões. A nossa indústria acabava de perder a chance de receber US$ 110 milhões, mas o Brasil se manteve na cooperação e foi poupado do vexame internacional de ser denunciado no acordo. Foi poupado do vexame de ser expulso do grupo de participantes. As novas partes de responsabilidade do Brasil eram de construção muito mais simples e não eram itens críticos em termos do cronograma geral de montagem do veículo. Isto é, na verdade os parceiros não confiavam mais na competência verde-e-amarela para desenvolver, construir, testar e entregar algum componente essencial da espaçonave.
Entretanto, toda essa redução de tarefas e o desconforto de uma participação tipo “café com leite” ainda não foram suficientes para acordar o gigante adormecido em berço esplêndido. Absolutamente nada foi feito para a cooperação pelos dois anos seguintes, isto é, de 2002 até o final de 2004! Aqui na NASA, no papel de representante da AEB junto ao programa da ISS, já não tinha como apresentar nas reuniões nenhuma justificativa possível para tais atrasos. Efetivamente evitava cruzar com certas pessoas nos corredores dos prédios. Ao mesmo tempo, entre mudanças de administração do programa espacial brasileiro, lutava no Brasil para fazer com que as autoridades percebessem a importância do projeto e o risco enorme que a incapacidade de produzir algo concreto na nossa indústria representava para a imagem internacional de competência técnica do país. Tirei muitas fotos, escrevi e entreguei muitos “papers” sobre o assunto, mas praticamente nenhum apoio oficial era dado ao programa. No final de 2004, já bastante desanimado pela indiferença encontrada, fiz uma visita à FIESP-SENAI em São Paulo. Afinal, tinha sido aluno da instituição no início da minha carreira profissional. Quem sabe não ajudariam! Como esperado, a situação foi bem diferente dos casos anteriores. Imediatamente ao saber do problema, assumiram a responsabilidade de construir os protótipos das partes nacionais. E de graça aos cofres público! Finalmente algo literalmente “palpável” começaria a ser feito: protótipos em alumínio aeronáutico!
Tudo parecia estar caminhando para um final feliz. Contudo, a lentidão inacreditável dos processos burocráticos para incluir o SENAI-SP no acordo técnico, somada aos atrasos operacionais do ônibus espacial resultantes do acidente do Columbia, acabaram por colocar as nossas 33 partes, inicialmente sem prazo definido para fabricação, no chamado “caminho crítico” da montagem da ISS. Isto é, no final de 2005 passaram a ter uma data limite de entrega para o consórcio científico de países. Naquele exato momento, estava em Moscou, treinando para realizar a missão espacial a serviço do país. Ou seja, não tinha como estar, ao mesmo tempo, aqui em Houston para fazer também a minha função de “diplomacia técnica” e “ajustar” a situação para manter o país no programa.
Como resultado, duas semanas antes do lançamento fui informado de que a NASA preparava uma carta para a AEB onde agradecia pelos esforços dos últimos 8 anos e notificava que as partes de responsabilidade do Brasil seriam contratadas junto às indústrias americanas para entrega em tempo hábil. Em outras palavras, estávamos sendo “dispensados” da cooperação.
Aquela notícia, vinda diretamente da NASA, caiu como uma bomba para mim. Depois de oito anos lutando para manter o nome do Brasil respeitado internacionalmente no programa, depois de oito anos mantendo, a todo sacrifício, o país na cooperação, ali estava eu, pronto para realizar a missão para a qual havia sido designado e treinado exclusivamente, e prestes a ver meus esforços na parte técnica do projeto serem destruídos.
Passei os dias finais de preparação para o vôo com a “cabeça quente”, tentando resolver remotamente a situação e ganhar algum tempo para o país. A carta não foi enviada, mas a participação brasileira foi reduzida de 33 para 15 partes apenas. O restante foi contratado na indústria americana. A decisão final de manter ou não o Brasil do programa foi marcada para o final do mês de maio de 2006.
Cheguei da missão determinado a, mais uma vez, impedir que o nome do país fosse jogado no lixo com a expulsão do programa. Os dias de recuperação, preso no hospital em Moscou, passaram lentos. Seguiram-se dias de agitação, homenagens e alegria no primeiro regresso ao Brasil. Dentro de mim, a preocupação com a situação do programa. Essa mesma preocupação foi multiplicada quando fui informado de que, com a redução da participação brasileira na cooperação da ISS, não haveria nenhum outro vôo espacial em vista nos próximos anos. Assim sendo, pelo acordo inicial entre AEB e FAB, eu teria que abandonar a parte técnica do programa da ISS e retornar à atividade de oficial aviador da FAB em alguma unidade militar no país. Seria o final da participação do Brasil na ISS. Seríamos expulsos, ainda naquele mês de maio, do grupo dos países participantes! Certamente seria um fato muito comemorado pelos “brasileiros” que sempre criticaram e tentaram prejudicar esse programa. Seria péssimo para o restante de 99.9999% da população do país.
Contudo, conhecedor da história do programa, da situação crítica urgente existente no momento e ciente da importância da continuidade de minha participação técnica junto a NASA em Houston para a manutenção do país no projeto (e assim manter a credibilidade do país), o Comando da Aeronáutica decidiu pela solução mais eficaz e lógica e me transferiu para a reserva. Estaria liberado para ser a ponte entre o setor privado (responsável pela construção efetiva das partes) e a NASA. Dessa forma, de maneira eficiente pelo posicionamento “estratégico”, eles poderiam não só manter, mas também ampliar minha participação no Programa Espacial e de Defesa Nacional.
Manobra de combate. Necessária, rápida, vital. Opiniões tendenciosas, ignorantes da situação real e maldosas surgiram imediatamente. Respondemos com ação positiva. Continuamos a luta pelo programa ao mesmo tempo em que nos defendíamos do “fogo amigo”. Impressionante!
Acima de tudo, o importante era manter os objetivos do projeto. O restante o tempo iria demonstrar.
Hoje, estou muito feliz. Hoje já começam a aparecer os primeiros frutos bons dessa atitude e decisão da Força Aérea.
Nesses últimos meses, tenho trabalhado intensamente junto à NASA, aqui em Houston, para resolver o problema da permanência do Brasil no programa. Os resultados positivos já são reais, e estamos prestes a resolver de vez o problema.
Em maio, mesmo perdendo tempo precioso escrevendo correções para o público que foi “atacado e desrespeitado” pelas informações absurdas circuladas na imprensa por pessoas irresponsáveis a respeito da decisão da FAB pela minha transferência para a reserva, conseguimos evitar a decisão de expulsão do país do programa, adiando conversações para junho e julho.
Pela urgência da entrega das partes nacionais, o risco de serem contratadas às indústrias americanas ainda existe. Contudo, na semana passada, a NASA mostrou-se disposta a modificar, novamente, alguns dos componentes da participação brasileira, de forma a facilitar a construção nacional e reduzir a urgência de entrega. Esta semana estarei discutindo essa possibilidade com a agência americana. Ela deverá, então, enviar brevemente uma proposta de alteração técnica para a AEB. Isso garantirá a nossa permanência, eliminando o risco de “dispensa” do programa internacional. O SENAI-SP continuará a ser o responsável pela construção dos novos protótipos. Basicamente são estruturas semelhantes às placas adaptadoras anteriormente contratadas, porém mais leves e simplificadas, para serem utilizadas em veículos de transporte menores que o ônibus espacial que estarão assumindo sua função em futuro próximo.
Nesse momento, enquanto aguardamos ansiosos o pouso seguro dos meus amigos no Discovery, ainda temos muito trabalho para o sucesso do Brasil no projeto. A situação do programa ainda precisa de minha atenção contínua. Isso basicamente me impede de ir ao Brasil durante este mês. A saudade é grande, mas o trabalho árduo compensa e mostra resultados. Em breve a participação nacional sairá dessa nuvem de tempestade e voaremos céus azuis! Se podemos acreditar, podemos construir!

** Estação Espacial Internacional (ISS) - único laboratório espacial, construído por um consórcio de 16 países (Rússia, Japão, Canadá, França, Alemanha, Itália, Suíça, Inglaterra, Suécia, Dinamarca, Bélgica, Noruega, Holanda, Espanha, Brasil e os Estados Unidos), tem um comprimento total de 108 metros, seu volume interno equivale a 2 aviões “Jumbos” e sua massa total é de 400 toneladas, a espaçonave dá uma volta na Terra a cada 90 minutos (28.000 km/h), permanecendo numa altitude média de 400 km.

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