MANTENHA A CALMA

Marcos Pontes
15/08/2007

“Se és capaz de manter a calma, quando todos ao seu redor já a perderam e te culpam…”
Essa era uma das frases do poema “Se” de Rudyard Kipling, escrito em uma das paredes do pátio da Academia da Força Aérea, em Pirassununga, SP, no meu tempo de cadete. Naquela época, eu lia aquelas frases, decorava suas palavras, mas não percebia completamente a importância do seu significado. Ficávamos ali, em pé, olhando para aquelas paredes durante horas, em formaturas intermináveis. Todas as noites, todos os dias. Hoje, passados muitos anos e muitas experiências de vida, sei exatamente o valor daquele ensinamento.
“Manter a calma” pode ser a diferença entre o sucesso e o fracasso, entre a vida e a morte, em especial para um guerreiro, para um combatente, para um astronauta! Na vida, assim como no campo de batalha, temos objetivos a cumprir. Temos também inúmeros obstáculos e distrações que tentam a todo instante nos tirar do caminho e desviar a nossa atenção do que é realmente importante para conquistarmos o sucesso. O inimigo faz a sua parte, colocando todos os seus esforços em sua tentativa constante de nos abater física e, principalmente, mentalmente. Ele tenta derrubar o moral da tropa. Ele sabe que isso é o mais sério. Um combatente ferido tira dois soldados da batalha.
Contudo, em resposta aos ataques do inimigo, se mantivermos a calma, o bom humor, e a atitude positiva, todos focados nos nossos objetivos, teremos tempo de sobra para ver os olhos de desespero do inimigo ao nos aproximarmos da vitória. Não existe nada mais terrível para ele do que ver suas tentativas, com toda a sua energia e recursos, gastos inutilmente. Isso o faz mais fraco e temeroso, deixando-o susceptível ao nosso ataque fulminante.
No dia-a-dia, muitas vezes temos a tentação de deixar as nossas emoções negativas tomarem decisões por nós. Queremos resolver aquele nó na garganta, aquele fervor no estômago, ali, naquele instante. Descontar tudo sobre aquele “culpado” que identificamos e condenamos a receber toda a nossa ira por estarmos naquela situação desagradável. Depois, passado o momento, com a nossa mente reinstalada no nosso cérebro, e ainda com o gosto amargo da revanche espumando na boca, começamos a fazer o inventário das nossas ações impensadas. Remorso, desespero, urgência de fazer alguma coisa para corrigir a besteira, etc, são sentimentos comuns nessa hora. “Se eu tivesse pensado melhor…se eu tivesse tido um pouco mais de calma! Por que fiz essa besteira!” Mas aí já é tarde demais, normalmente. Pessoas já foram feridas, coisas já foram destruídas.
Ter calma! O que significa, realmente, isso? A vida mostra que “ter calma” significa ter a coragem para esperar mais um segundo. Pensar antes de agir. Manter a mente focada no objetivo maior. Ter autoconfiança suficiente para não se deixar levar pela situação, mas sim comandar as ações com inteligência e elegância. Um insulto só fere o moral do seu autor. Ele é que não foi capaz de encontrar argumentos mais inteligentes para a discussão. Se você se preocupa com “o que vão pensar de mim”, lembre-se que a opinião de momento de outras pessoas só tem valor se a soma delas tiver algum benefício real para você. Essa opinião é como fumaça ao vento. Se você tiver uma atitude firme, previsível, constante e sensata, a opinião duradoura sobre você, aquela que realmente interessa, será sempre o reflexo desse comportamento virtuoso.
Além da raiva, o medo também tenta nos tirar do estado de calma. A mão fica trêmula. O coração acelera. A mente divaga em pensamentos de tragédia. O foco fica prejudicado. Isso é uma reação natural de auto-preservação. Não deixe que o medo tenha domínio. Lembre-se sempre que as suas ações são a sua melhor proteção, não os seus pensamentos. Para isso, é necessário ter seus sentidos aguçados. Use o medo para isso. Use-o a seu favor. Continue o procedimento. Respire fundo. Pense no próximo passo, não na possível conseqüência. Controle sua fala. Concentre-se nisso. Transmita informações com voz firme e pausada. Uma palavra de cada vez. Isso ajudará a outras pessoas, ao seu redor, a também controlarem as emoções, vencerem o medo e contribuírem positivamente contigo para, juntos, saírem daquela situação de risco.
Existe uma estória interessante sobre como a calma pode derrotar o medo e os inimigos. No tempo dos samurais, no Japão antigo, havia a tradição das academias receberem os samurais errantes para que os mesmos demonstrassem as novas técnicas aos discípulos locais.
Em troca da demonstração, feita em forma de desafio de luta ao mestre da academia, o samurai ganhava uma refeição e uma noite de descanso. Um dia, um desses samurais chegou exausto e faminto a uma pequena cidade. Quase sem forças, mas com a postura inabalada, procurou pela academia local e desafiou o mestre conforme a tradição. Em sua mente, sabendo de sua condição física extremamente debilitada, ele planejou ficar praticamente imóvel durante o combate, apenas esperando que seu oponente o atingisse e vencesse a luta. Dessa forma, ele poderia ganhar sua refeição e descansar o mais rapidamente possível.
A luta iniciou formal, como de costume. Os discípulos postados de joelhos assistindo atentos a todos os movimentos do mestre e de seu oponente forasteiro. Após o cumprimento inicial, o samurai ficou parado, conforme o seu plano. Olhos fixos nos olhos do mestre, espada baixada. Mente fixada no prato de comida. O mestre, ao ver aquela situação, e sem saber dos planos do samurai, começou a divagar: “Por que ele estaria tão parado? Esse samurai deve ter uma técnica muito precisa, rápida, eficaz, perigosa, infalível! Assim eu me mover, ele deverá me acertar e derrubar. Tudo rápido como um raio!”
Seu coração estava acelerado. As mãos mal seguravam a espada de madeira, que pesava como nunca. O suor escorria e brilhava sobre a face pálida. Olhava para os alunos: “o que eles pensarão de mim quando esse poderoso samurai me derrotar?”
Vencido pelo seu próprio pânico, ele finalmente jogou a espada no chão e postou-se de joelhos perante o oponente imóvel. “Eu desisto! Por favor, conte-nos sobre essa sua técnica infalível!”
O samurai, sentou-se, exausto e surpreso e falou: “não existe nenhuma técnica, estou fraco e faminto, apenas esperava que tudo terminasse rapidamente. Eu não venci nenhuma luta, você é que se deixou derrotar!”
Assim, perante o medo ou à raiva, respire fundo! Encare o inimigo nos olhos! Acredite em você! Lembre-se, se você mantiver a calma, você terá todas as chances de vencê-lo! Nunca se esqueça disso.




Marcos Pontes
Colunista, professor e primeiro astronauta profissional lusófono a orbitar o planeta, de família humilde, começou como eletricista aprendiz da RFFSA aos 14 anos, em Bauru (SP), para se tornar oficial aviador da Força Aérea Brasileira (FAB), piloto de caça, instrutor, líder de esquadrilha, engenheiro aeronáutico formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), piloto de testes de aeronaves do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), mestre em Engenharia de Sistemas graduado pela Naval Postgraduate School (NPS USNAVY, Monterey - CA).

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