RÓTULOS

Marcos Pontes
21 /02/2008

Esta semana terminei um curso bastante interessante. Entre os muitos pontos altos do seu conteúdo, um pequeno tópico me chamou a atenção e gostaria de compartilhar com os leitores: a questão dos rótulos e padrões que usamos para “facilitar” o nosso raciocício e nossas decisões.

Raciocinar é um processo que inclui inúmeras comparações do “analisado” (situação, objeto, comportamento, etc) com padrões mentais que desenvolvemos ao longo da nossa experiência de vida.

Nossa ação perante a um determinado evento irá refletir a nossa conclusão sobre ele. Esta conclusão, por sua vez, foi baseada nas suposições que construímos a partir dos dados que selecionamos (tivemos acesso ou escolhemos), entre todas as informações e fatos disponíveis sobre aquele assunto. Essa é a idéia da “escada da inferência” criada por Chris Argyris, da universidade de Harvard.

A soma dessas duas observações, raciocínio por comparação e conclusão oriunda em dados selecionados, tem consequências bastante interessantes sobre o nosso comportamento, de modo geral, em todas as áreas de nossa vida. Basta lembrar dos detalhes de eventos passados e refletir um pouco sobre as possibilidades de resultado e interações (positivas e negativas) dessa estrutura e desse processo de raciocínio, para começarmos a entender muitas das coisas que deram certo e que falharam na nossa história profissional e pessoal.


Acrescente a isso o seguinte fato facilmente observável: em longo tempo de operação, sempre tendemos a optar pelos procedimentos que resultem em menor uso de energia e de tempo. Isso explica porque desenvolvemos “padrões” em nossa cabeça que nos permitam “rotular” determinados eventos, situações, pessoas, etc: é uma maneira prática, rápida e de menor energia. Isto é, “não temos que pensar” novamente no significado, procedimento, etc, toda vez que nos deparamos com “eventos semelhantes” (segundo as nossas conclusões antigas...aí é onde mora o perigo!).
Veja bem, em resumo, o processo acontece da seguinte forma:

1. Nos deparamos com um evento e seus protagonistas.

2. Observamos “alguns” dados sobre esse evento e seus protagonistas. Note que, na maioria das vezes, não temos “tempo”, desejo, interesse, ou condições, para buscar todos os fatos disponíveis. Assim temos um evento, uma ou mais pessoas, e um conjunto parcial selecionado de dados sobre eles.

3. Procuramos na nossa “prateleira de padrões” disponíveis em nossa mente alguma coisa que seja semelhante ao que temos em mãos naquele exato instante para “analisar”. Achar um padrão com o qual possamos rotular o nosso evento e os seus protagonistas economizaria muito tempo e energia! Não precisamos ficar raciocinando tudo de novo sobre isso! Basta rotular (isso é um .... e fulano é um .....) e agir conforme o procedimento “padronizado” (que usamos, ou outros usaram, de outras vezes).

4. Achamos algo semelhante, uma “caixinha parecida”, mas não exata, para “encaixar” tal evento e tais pessoas. Só não é “exatamente” igual porque alguns dos dados selecionados que temos em mãos são um pouco diferentes do que os esperados para aquele “padrão”. O que fazer? Simples, descartamos esses dados “discordantes”, retornamos para os dados disponíveis e procuramos, incansavelmente, por alguma coisa, alguns dados que “nos ajudem a confirmar” o que “pensamos desse evento e dessas pessoas”. Afinal, agora já decidimos encaixá-los naquele padrão, isto é, já os “rotulamos” com nomes “tal e tal”, por exemplo, essa situação é um “absurdo” (rótulo) e essas pessoas são todas idiotas (rótulo)!

5. Depois disso, podemos parar por aí, satisfeitos da vida com as nossas conclusões “sábias”, ou pior ainda, podemos prosseguir para tentar convencer outras pessoas para que também usem os mesmos “rótulos” que demos para aquele evento e seus protagonistas, mostrando nossos dados selecionados (especialmente escolhidos para demonstrar a nossa “tese”) e esperando que aceitem e nos apóiem. A pura glória!

Notou alguma semelhança com algum momento de sua vida?
A coisa é ruim quando diz respeito a rótulos que colocamos em outras pessoas. Porém fica mais séria e devastadora ainda quando se trata de “exigências” que temos do mundo e “rótulos” que colocamos em nós mesmos (e depois ainda agimos contra nós mesmos tentando inconscientemente “comprovar a nossa tese contra nós mesmos!”).

Por exemplo: “Tudo que eu faço dá errado! Eu tenho que acertar e vencer na vida, senão eu sou um fracassado, incompetente, burro!”
Coisas desse tipo são extremamante prejudiciais ao seu desenvolvimento pessoal. Não deixe esses pensamentos ganharem dimensão por esse ciclo descendente em sua mente. Lembre-se que você vai agir tentando comprovar a sua “tese”.

Primeiro, destrua os rótulos e as suas exigências. Para tanto, note que tanto as exigências quanto os rótulos são baseados em dados selecionados (viciados), que escolhemos para tentar “provar” a nossa tese. Não representam a realidade da totalidade dos fatos disponíveis. No exemplo acima, certamente você já teve experiências bem sucedidas na vida. Mais do que isso, exigir “acertar”, por si só, não garante que você vai acertar. São necessárias ações positivas! Quanto ao rótulo, você é muito mais do que um evento. Falhar em um procedimento só diz que “aquele” procedimento era errado! Não que “você” é errado ou burro. Com certeza existem coisas na sua vida que demonstram claramente sua competência! Não generalize as falhas!

Destruídas as exigências e os rótulos, use agora a mesma estrutura de raciocínio para motivar a você mesmo a todo instante! Isto é, ao invés de procurar dados para te fazer sentir mal, para baixo, procure dados e fatos que demonstrem que você é bom no que faz, que você é competente, feliz! Dê a você mesmo os rótulos bons: eu sou feliz! Eu sou inteligente! Eu sou muito bom nisso, ou naquilo! Generalize os sucessos!

 
Marcos Pontes
Colunista, professor e primeiro astronauta profissional lusófono a orbitar o planeta, de família humilde, começou como eletricista aprendiz da RFFSA aos 14 anos, em Bauru (SP), para se tornar oficial aviador da Força Aérea Brasileira (FAB), piloto de caça, instrutor, líder de esquadrilha, engenheiro aeronáutico formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), piloto de testes de aeronaves do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), mestre em Engenharia de Sistemas graduado pela Naval Postgraduate School (NPS USNAVY, Monterey - CA).
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