Meu
nome é Pedro. Tenho 9 anos e gosto de ver TV. Sou brasileiro.
Ainda não sei o que vou ser quando crescer. Isto é,
se eu crescer, pois a TV disse que tem muitos perigos por
aí. Além do mais, talvez o mundo acabe em 2012.
A TV disse isso também. Espero que eu não sinta
muita dor. Outro dia acordei com gripe. O papai me levou à
farmácia. Disseram que a injeção não
ia doer, mas doeu muito. O Natal já passou. Que pena.
Gosto de ver as propagandas na TV. Todos parecem tão
felizes. Tudo é tão bonito. Pedi um colete à
prova de balas e um capacete de presente. A TV disse que estão
matando crianças na rua com balas perdidas, ou com
policiais atirando nos carros das mamães porque as
confundem com bandidos. Estranho, porque a mamãe nem
parece com os bandidos que eu vejo na TV. Eles são
de tipos diferentes, alguns de cara toda deformada, outros
de terno, outros parecem até normais, mas nenhum parece
com a mamãe. Mas, em todo caso, pedi o colete. Ganhei
um carrinho de controle remoto. O papai disse que vai brincar
comigo quando tiver tempo. Espero que isso aconteça
algum dia no ano que vem. Ele e a mamãe trabalham muito.
Eu vou à escola com a babá e assisto à
TV. Tem programas legais, e você aprende muita coisa
útil. Tem um deles que tem uma casa grande onde colocam
uma porção de pessoas dentro. Aí essas
pessoas nos mostram como é a maneira correta de se
comportar em diversas situações. Minha mãe
gosta de assistir. Às vezes ela usa o que aprendeu
quando fica brava com meu pai. Eu estou aprendendo também.
Agora, os programas que eu mais gosto são os programas
de notícias. Eles mostram o que acontece no mundo todo.
Coisas boas e coisas ruins. Pena que quase nunca acontece
alguma coisa boa. Acho que o mundo é ruim. Mamãe
diz que eu tenho que ser bom. Mas eu nunca vejo pessoas boas
na TV. Só aparecem pessoas ruins. Elas se dão
bem na maioria das vezes. Outras vezes se dão mal.
Mas acho que só sobrevivem as pessoas ruins nesse mundo.
Se eu for bom, acho que não terei chance de sobreviver.
Minha mãe está errada. A TV mostra a realidade.
Sou pequeno, mas ainda tenho tempo de aprender a ser ruim,
para poder sobreviver no mundo que eu vejo na TV. Tem alguns
programas infantis também, como desenhos, Xuxa e o
Sítio do pica-pau amarelo. Mas a gente vê logo
que estão mentindo para a gente. As novelas, que são
um retrato da vida cotidiana, são sempre diferentes.
Os programas infantis são bobinhos. Aqui em casa tem
internet também. Eu aproveito que meus pais saem todo
dia e fico vendo coisas na internet também. A babá
também gosta de ver TV. Ela fica na TV e eu na internet
depois da escola. São tantas coisas, que eu até
fico perdido. Por exemplo, minha mãe acha que eu não
sei nada sobre sexo. Mas tem tudo na internet. Basta colocar
a palavra sexo na pesquisa. Já aprendi tudo o que eu
preciso saber sobre isso. Todas as posições
e como as mulheres gostam de ser tratadas. No começo,
achei meio estranho e nojento todas aquelas coisas que elas
gostam de fazer. Agora acho legal. Quando eu for grande, vou
fazer igual. Só não decidi ainda se quero ficar
com homem, com mulher ou com os dois. Mas tudo parece legal.
Dá um friozinho bom na barriga quando vejo o que fazem.
Outro dia papai chegou mais cedo e me pegou vendo uma foto
na internet. Ele ficou bravo comigo e disse que aquilo era
só para gente grande. Como eu vou ser gente grande
um dia, eu achei melhor aprender tudo agora, enquanto tenho
tempo depois da escola. Eles, meus pais, não têm
mais tempo para aprender nada. Só que agora, como sei
que ficam bravos, tenho que fazer tudo escondido. Eles acham
que eu não sei de nada. Mas eu sei de tudo. Eu vejo
na TV, na internet, etc.
O
ano está acabando. Eu passei de ano na escola. Não
foi difícil. A professora disse que não podia
repetir ninguém. Não gosto muito de estudar.
Minha escola é feia e os professores ganham mal. Meus
amigos dizem, e eu confirmo na TV, que se você estudar,
tem que trabalhar mais para ganhar dinheiro e ser chefe das
pessoas. Além do mais, se você não estudar,
você pode ganhar bolsas. Elas ajudam as pessoas que
não tem estudo, e por isso não podem trabalhar.
Principalmente se você tiver muitos filhos. Acho que
ganhar bolsa é mais fácil do que trabalhar.
Então, não vejo muito sentido em trabalhar.
A TV quase nunca mostra as pessoas estudadas felizes. Estão
sempre preocupadas e com caras bravas. Papai diz que estudar
é importante para que a gente possa ganhar dinheiro
e comprar as coisas, como casas, carros, fazendas, etc. Mas
a TV mostra que você também pode simplesmente
tomar as coisas de outras pessoas que tem muito e ficar para
você. Isso é permitido. Aí é um
ponto que eu fico confuso, pois outro dia, indo para a escola,
eu vi a polícia prendendo um menino (um pouco mais
velho do eu) que tinha roubado uma mortadela da padaria do
seu José, na esquina aqui de casa. Estranho isso. A
TV mostra muitas pessoas que quebram coisas no Congresso,
invadem fazendas, empresas, etc, e dizem que isso é
direito do cidadão. Eu não sei como se dividem
os cidadãos, mas eu prefiro ser do grupo que tem mais
direitos. Ainda não sei como entrar para esse grupo,
mas um dia eu vou crescer e "levar vantagem em tudo"
também (eu gostava daquela propaganda!). Minha mãe
disse que todos são iguais perante a lei e Deus. Mas
meu amigo da escola disse que ele queria ser negro, índio
e gay, assim ele poderia entrar na universidade mais fácil,
arranjar emprego mais depressa e ainda poderia ganhar muitas
terras. Na verdade, acho que ele fala isso porque ele fica
com medo de ser discriminado na vida, já que ele é
loiro e muito pobre. Aí eu falo para ele o que a minha
mãe diz (todos são iguais). Ele responde dizendo
que, se fosse assim, toda e qualquer palavra que rotula classes,
raças, religião ou sexo, nunca deveria constar
do texto de absolutamente nenhuma lei. Seria suficiente apenas
usar "pessoa" (todos são iguais). Eu não
conheço das leis. Fico quieto. Vou perguntar para a
mamãe, ou verei a resposta na TV.
Bem,
mas eu acho que já falei demais sobre mim. O ano de
2008 foi um ano cheio de coisas interessantes na TV, na internet,
etc. Aprendi muitas coisas úteis para a minha vida,
e espero que os filhos dos senhores também tenham aprendido.
Espero que o ano de 2009 seja muito bom para todos. Eu até
já sei o que vou pedir de Natal, em 2009: uma televisão
nova e um paraquedas, no caso de alguém me jogar pela
janela do prédio!
Ah, tem mais, eu espero também que os meus pais possam
ficar mais tempo comigo! Aliás, se vocês tiverem
filhos, fiquem mais tempo com eles também. Assim, eles
não precisaram aprender tudo na TV ou na internet.
Meu
nome é Pedro. Tenho 9 anos. Sou brasileiro.
FELIZ
ANO NOVO!! Tchau!
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Marcos
Pontes
Colunista,
conferencista, pesquisador, professor e primeiro astronauta
profissional lusófono a orbitar o planeta, de família
humilde, começou como eletricista aprendiz da RFFSA
aos 14 anos, em Bauru (SP), para se tornar oficial aviador
da Força Aérea Brasileira (FAB), piloto de caça,
instrutor, líder de esquadrilha, engenheiro aeronáutico
formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica
(ITA), piloto de testes de aeronaves do Instituto de Aeronáutica
e Espaço (IAE), mestre em Engenharia de Sistemas graduado
pela Naval Postgraduate School (NPS USNAVY, Monterey - CA). |