ENTREVISTA ADESG LONDRINA
1º DE DEZEMBRO DE 2006

01. Como se deu a escolha ou indicação para ser o primeiro astronauta brasileiro?
A escolha, na verdade, foi uma seleção feita pela Agência Espacial Brasileira, num concurso público nacional feito em 1998. A Agência Espacial tinha assinado um contrato com a Nasa para a participação brasileira na Estação Espacial Internacional, precisava de um tripulante e foi feito esse concurso nacional. Eles colocaram os requisitos de currículo, depois foram feitos todos os exames médico, físico, psicotécnico e entrevista, seguindo exatamente a mesma receita, mesma seleção feita pela Nasa, inclusive a Agência Espacial Brasileira utilizou do processo de seleção e das pessoas de seleção da Nasa para que eu fosse selecionado em 98.

02. Quantos anos se preparou para ser astronauta e cosmonauta?
Eu me preparei, eu fiz o curso inicialmente de 98 até 2000 e depois eu fiquei em treinamento operacional ou manutenção operacional de 2000 até 2005 pra finalmente realizar o vôo na Rússia em 2006.

03. Quais as diferenças maiores na preparação de astronauta nos Estados Unidos e cosmonauta na Rússia?
A preparação de astronauta e cosmonauta é muito parecida. Diferencia logicamente o equipamento, diferencia a língua, no restante a metodologia é muito parecida, principalmente pela existência hoje em dia da Estação Espacial Internacional que praticamente torna homogêneo esse treinamento porque a utilização dos sistemas é tudo padronizado, então o treinamento ficou muito parecido, de um e de outro.

04. No caso de comunicação, é ainda ensinado o Código Morse?
Não, o Código Morse não é mais utilizado, não existe essa necessidade, caso a gente queira aprender só por curiosidade, existe a disposição na parte de rádio amador um cursinho de Código Morse, mas não é mais utilizado então a gente não aprende Código Morse.

05. Quais as maiores dificuldades encontradas nesse treinamento e o seu maior desafio?
Acho que uma das maiores dificuldades é coordenar o tempo na organização das coisas, das atividades próprias e coordenar com a família também, porque a gente fica muito tempo afastado da família. Essa eu acho que é a maior dificuldade. Em termos técnicos, no início logicamente que cada um de nós chega na turma de astronautas, eu sou da turma 17 da Nasa, a primeira turma foi aquela turma do John Glen, do Alan Shapper e assim por diante. Então essa era a turma primeira, a minha turma é a turma 17, turma pingüins de 98, tínhamos 32 elementos, hoje em dia temos só 30, perdemos dois infelizmente, um por acidente e outro que saiu por problema de saúde, mas a nossa turma continua lá na Nasa onde eu permaneço trabalhando para o Programa Espacial Brasileiro, e cada um de nós tem a sua especialidade, vamos dizer assim. Por exemplo, eu vim da Força Aérea, então tinha o treinamento da Força Aérea, o que me facilitou em muitos aspectos. Mas uma das minhas dificuldades próprias e cada um tem a sua própria dificuldade, no início era a parte de natação, porque eu nunca fui bom de natação. Então quando eu cheguei ali eu tive que aprender com meus amigos lá, que nadavam bem, como sobreviver, nas sobrevivências, na água. Então essa foi uma das minhas dificuldades no começo. Na Rússia, obviamente uma das dificuldades grandes, além da quantidade de trabalho e isso tudo que eu tinha que fazer, uma das coisas também era a língua, que eu tive que aprender russo em três meses, o que, que pra qualquer um que conhece a língua russa sabe que é uma tarefa que não é fácil, exige bastante dedicação.

06. O que representa o Programa Espacial Brasileiro para o Programa Espacial Brasileiro o primeiro vôo espacial e as experiências realizadas? Foram dentro da Estação Espacial Internacional?
Sim, a missão centenário da Agência Espacial Brasileira da qual eu tive a felicidade de ser o tripulante, poderia ser o Serguei Wolkov, o russo, também o tripulante da estação, da missão centenário, mas graças a Deus eu estava em condições excelentes, tanto físicas quanto técnicas pra execução da missão, então eu fui, o Serguei Wolkov não foi. E essa missão ela teve como objetivo a realização dos experimentos colocados pela Agência Espacial Brasileira, assim como divulgação do programa. Seus objetivos foram plenamente cumpridos, a missão espacial, a missão centenário foi o maior marco do Programa Espacial Brasileiro em toda a sua existência desde 1961 quando nós temos atividades espaciais aqui, foi sem dúvida nenhuma o evento mais marcante positivamente de tudo isso infelizmente nós tivemos eventos marcantes negativamente também, como o acidente em Alcântara mas a missão centenário foi uma coisa muito positiva, foi a coisa mais marcante do Programa Espacial Brasileiro. Hoje em dia nós temos milhões de crianças, jovens no país, jovens profissionais também, que se dedicam a querer uma carreira em ciência e tecnologia graças à motivação que veio dessa missão, os experimentos também tiveram resultados muitos positivos. Hoje em dia nós temos, por exemplo, dois experimentos de Santa Catarina, na Universidade Federal de Santa Catarina, que já eram experimentos tecnológicos, já tem explicação direta no resfriamento e controle de satélite, é uma coisa que a gente nunca tinha conseguido fazer, hoje em dia a gente tem isso aí já pronto graças a essa missão e isso pode entrar no mercado, tanto nacional quanto internacional, que é o principal, colocar o Brasil como exportador de alta tecnologia, nessa área é uma coisa extremamente importante e também nunca foi conseguido em nenhuma data, em nenhuma época, em nenhum tipo de programa, em nenhum tipo de projeto do Programa Espacial Brasileiro. Então a missão, sem dúvida nenhuma, foi muito boa, a idéia da Agência Espacial Brasileira em fazer essa missão foi excelente e eu tive a felicidade de poder tripular essa missão.


07. Como o senhor pretende contribuir para o Programa Espacial Brasileiro?
Eu contribuo pro Programa Espacial Brasileiro há oito anos, tanto com a minha experiência com outras 15 agências, diferentes experiências em negociação internacional, experiência em sistemas, experiência em divulgar o programa e tudo isso que a gente aprende durante esse período no exterior. Eu sou a pessoa que mais conhece o programa da Estação Espacial Internacional, eu tenho conhecimento tão bem na estrutura interna da Nasa, da estrutura interna da agência japonesa, da agência russa, etc, que facilitam em muito as nossas conversações com esses organismos. Então como eu já venho contribuindo depois do vôo, quando o comando aeronáutica decidiu me colocar na reserva porque isso era extremamente importante pra utilizar completamente as minhas qualificações para o Programa Espacial e em prol do próprio comando da aeronáutica. Então o comando da aeronáutica julgou que a melhor posição pra mim era ficar na reserva e continuar trabalhando no programa dessa forma, pra não ficar limitado às restrições impostas pela lei militar, que certamente era como ter um avião de caça guardado no hangar. Então, o comando da aeronáutica inteligentemente me transferiu para a reserva e depois disso a minha participação no programa espacial ampliou muito antes desse evento, antes do vôo e antes de ser colocado na reserva. Eu trabalhava simplesmente no programa da Estação Espacial Internacional. Hoje em dia eu participo do programa espacial, do programa da estação espacial internacional. Eu participo do programa dos veículos lançadores, de foguetes suborbitais, desenvolvendo propriamente líquido e do satélite Sara, todos esses do comando da aeronáutica. Não só na parte técnica, mas principalmente no ramo de cooperações tanto no setor político quanto no setor internacional, coisa que só foi permitido a mim na posição de civil, então isso aí foi um ganho muito grande para o nosso comando aeronáutica e para o programa espacial.

08. O que levou o senhor a passar para a reserva, quais são suas ambições ou planos futuros?
Bom, isso eu acabei de responder na última questão. O comando da aeronáutica achou que era melhor, acertadamente me transferiu para a reserva, porque assim eu posso utilizar, completamente sem restrições das leis militares da ativa, das minhas qualificações, conhecimento pro programa espacial e pros projetos do comando da aeronáutica. Hoje em dia eu estou muito feliz nessa posição, muito feliz em poder contribuir para o programa espacial, poder contribuir para o comando da aeronáutica, poder contribuir para o Brasil que é o mais importante de tudo isso porque, sem dúvida nenhuma, se todos os cidadãos brasileiros tivessem essa consciência da sua importância e necessidade de contribuir com a sua parte pro desenvolvimento do nosso país, pro desenvolvimento da nossa educação, pro desenvolvimento das nossas crianças, da nossa juventude, certamente hoje nós teríamos um país hoje muito melhor que não dependesse simplesmente de ações de um ou de outro, mas sim do trabalho conjunto de toda uma comunidade. Que nós não perdêssemos tempo em discussões inúteis a respeito de assuntos que não nos cabe. É que nós prestássemos atenção exatamente no que nós, como ser humano, como indivíduo pudéssemos fazer para a sociedade como um todo. Então acredito que um dia a gente vai chegar nesse nível de desenvolvimento cultural no país, é pra isso que eu luto, é pra isso que eu levo a minha palavra, até às vezes falando assim parece como se fosse um pastor aí pelo, pelo nosso país, tentando justamente melhorar a nossa educação, e essa é a minha ambição futura, justamente, ter um país na qual a gente possa dizer que a educação é a principal base do desenvolvimento, e que através dela todos os nossos jovens, de forma homogênea, no país todo, tenham o direito e a capacidade, o direito de sonhar e a capacidade de realizar os seus sonhos.

09. O senhor chegou a sair da nave espacial e ficar dentro da estação internacional ou fora do espaço sideral?
A gente, durante todo o tempo nós ficamos dois dias dentro do Soyus, que é a nave russa e depois acoplamos na estação espacial, ficamos oito dias dentro da estação espacial e depois mais cerca de cinco horas dentro do Soyus pro regresso, não foi necessário nenhum tipo de atividade extracurricular embora eu seja um astronauta qualificado pra atividades extraveiculares com o traje americano. Eu tenho muitas horas de treinamento na piscina pra esse tipo de atividade, mas não foi necessário nenhum tipo de atividade extraveicular durante o tempo que eu estava lá na estação espacial.

10. Suas considerações finais...
Eu gostaria de agradecer a todas as perguntas, eu gostaria de dizer da minha satisfação em conhecer uma organização como a ESG e as ADESGs, que participam do desenvolvimento do país, através de discussões saudáveis e produtivas, dos problemas e soluções principalmente que atinjam e possam resolver casos que possam resolver problemas de extrema influência dentro da nossa sociedade, que esse trabalho seja reconhecido pelo público, e podem contar comigo pra esse tipo de divulgação, podem contar comigo com as minhas idéias também e tudo que for necessário pra pegar essa nossa bandeira que significa cada um de nossos cidadãos aqui no Brasil que representa cada cidadão no Brasil e levá-lo ao espaço quantas vezes for necessário. Eu continuo a disposição tanto do Brasil quanto da humanidade, na função de astronauta que em suma, é um dos representantes da humanidade fora desse planeta. Então, estou à disposição do Brasil, estou à disposição de cada pessoa do Brasil, com a minha vida, como eu sempre fiz, e eu espero que as pessoas entendam uma coisa muito simples: essa é a maneira de como eu vejo meu país, eu gostaria de saber como a maneira, qual é a maneira que o país me vê. Muito obrigado.

 

 

Fonte: ADESG
Data: 01/12/2006