SER ASTRONAUTA É...
Correio Popular - SP

Quando criança em Bauru, interior do Estado de São Paulo, Marcos gostava de brincar de cientista e astronauta. Nos dias de hoje, ele tem a honra de ser o primeiro e único astronauta brasileiro: Marcos César Pontes, que foi ao espaço na nave Soyuz, numa viagem que durou dez dias, na base da Estação Espacial Internacional. Em toda essa trajetória ele viveu experiências incríveis.

Ao voltar

para o nosso planeta, foi recebido com enorme festa pelo mundo, especialmente pelos brasileiros, que têm orgulho do trabalho dele. Não foi fácil conquistar esse lugar. Foram necessários muito trabalho e dedicação. O astronauta, Tenente Coronel Marcos Pontes, treinou durante oito anos e partiu rumo ao espaço no dia 30 de março de 2006, na Missão Centenário. Do período de dez dias, oito deles foram na Estação Espacial Internacional. Além do nosso astronauta brasileiro, foram o russo Pavel Vinogradov e o norte-americano Jeffrey Williams. Marcos Pontes levou oito experimentos brasileiros para estudar lá.

A Estação Espacial Internacional foi construída por meio de um acordo entre 16 países, incluindo o Brasil. No dia 9 de janeiro, foi comemorado o Dia do Astronauta. Uma oportunidade para relembrar a trajetória do astronauta brasileiro e conhecer o trabalho dele. Para isso, tivemos uma boa conversa com Marcos Pontes. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

ENTREVISTA - Bate-papo com Marcos Pontes

Correio Criança — Quando passou pela sua cabeça, pela primeira vez, a idéia de ser um astronauta?
Marcos Pontes — A idéia de ser astronauta começou a surgir ao longo da carreira de piloto, ou seja, aos poucos. Queria voar cada vez mais alto e mais rápido. Lutar pelos sonhos e realizá-los honestamente, sempre vale a pena.

O que é preciso estudar para ser astronauta?
Astronauta é uma função civil. É preciso ter uma formação acadêmica numa área técnica como medicina ou engenharia. Na parte psicológica, é necessário ter paciência e saber trabalhar em equipe. Também é interessante ter cursos na área operacional como ser piloto, mergulhador.

Como é o treinamento? Quanto tempo leva? Onde é feito?
O treinamento é feito em Houston, no Texas (EUA), na NASA, ou na Cidade das Estrelas, na Rússia. Ele é bastante diversificado, até porque a atividade de astronauta é assim. Temos que estar prontos para executar com precisão tarefas em muitas áreas do conhecimento humano. Sistemas de veículos espaciais são complexos, experimentos realizados no espaço abrangem muitos campos diferentes e nós, a tripulação, somos em número limitado. Durante o treinamento, recebemos aulas de geologia, astronomia, medicina, pára-quedismo, técnicas laboratoriais, oceanografia, biologia e outros conhecimentos, conforme as necessidades da missão. São muitos anos antes do primeiro vôo. Eu fui o segundo a voar aqui da minha turma de astronautas na Nasa, a classe tinha 98 astronautas. Demorei oito anos!

O que é mais difícil nesse processo todo?
Sempre haverá momentos de dificuldade a serem superados. Esses momentos podem ser de causas naturais, ou resultados de uma seqüência normal de eventos. A receita é simples: pense em tudo como algo que irá ajudá-lo a ser cada vez melhor.

Qual foi sua sensação ao saber que iria mesmo ao espaço? E de ser o primeiro astronauta brasileiro?
A responsabilidade de cumprir direito minha função profissional. A sensação foi a melhor possível, a repercussão foi excelente em todos os sentidos que realmente interessam. Eu estava bem preparado, tanto física quanto tecnicamente, e assim eu pude ir. Felizmente, conseguimos representar o Brasil na Missão, fazer os experimentos, cumprir todos os objetivos colocados pela Agência Espacial Brasileira, não só levando a bandeira do Brasil, mas também levando o coração de brasileiro, que eu acho que é extremamente importante. Eu fico muito feliz em ter participado disso.

O que sentiu quando entrou no foguete?
Da mesma forma que me senti milhares de vezes. A decolagem é um momento muito crítico do vôo, justamente por haver um nível de risco bastante alto. São 200 toneladas de combustível, queimando ali atrás. Mas como astronautas profissionais, nós aprendemos a lidar com este nível de risco durante muitos anos de treinamento. No momento em que nós representamos um país, há uma bandeira conosco. Ela torna-se o mais importante da missão que realizamos. Quando nós sentamos ali, colocamos a vida pelo país, literalmente.

E depois, quando estava no espaço?
A sensação no espaço, depois dos três primeiros dias é ótima. Me senti muito livre, é uma sensação de liberdade muito boa. Ver o planeta do alto, de longe, e ter a consciência de que temos que cuidar deste planeta que é nosso, e que é o único que nós temos. É bom que a gente tenha ciência da importância de nossas florestas, de cuidar daquilo que é importante para todos nós. Eu falo isso não só pelo planeta, mas pelo Brasil.

Qual é a sensação de ver o planeta de fora dele? O que passa pela cabeça? Sentiu medo em algum momento?
O medo sempre existe, é uma coisa próxima, as pessoas têm medo do medo. Não é para ter medo do medo. O medo nos ajuda a manter a mente alerta, ajuda a enxergar o problema e a pensar em uma solução para ele. A Terra vista do espaço é maravilhosa. Os reflexos dos efeitos óticos na atmosfera mudam de cor. É um planeta de muitas cores, não é só azul. Tem verde das florestas, azul dos mares, marrom dos rios, branco das nuvens, laranja dos desertos e assim por diante. É um planeta lindo de se olhar e é muito inspirador.

O que se come no foguete? E a água? Banheiro?
A comida lá no espaço é igual aqui na Terra. O gosto é o mesmo, o que muda um pouco é a forma dos alimentos. Ela pode ser desidratada (quando tem que misturar água) como sopas, chás e sucos. Também pode ser enlatada como frango com arroz, carne com macarrão. Não tomamos banho, usamos uma toalha molhada para isso. Para escovar os dentes, fazer a barba, é tudo normal como aqui na Terra, sem problema nenhum. Fezes e urina são sugadas e recolhidas em compartimentos apropriados. Tudo isso fica guardado para depois retornar no Progress, um veículo de transporte russo que é queimado durante a reentrada na Terra. Nada é jogado no espaço.

O que mais o impressionou nessa viagem?
São inúmeros momentos impressionantes. Voar a mais de 28 mil km/h. Sair, literalmente, do planeta. Ver a Terra lá do alto. Sentir-se sem peso. Flutuar. Pensar no que você realmente é. Voltar e poder perceber o que são e como são as outras pessoas realmente. Tudo é impressionante.

Falou com alguém da sua família antes de partir? Como foi a despedida?
Falei por meia hora, no dia anterior da decolagem, com minha esposa, meu filho e minha filha. A despedida é triste, como todas são. Saber que aquela podia ser a última vez, também foi triste.

E a volta? Como foi o retorno à Terra? O que muda ao voltar para casa?
A carreira continuou normalmente. Para mim, do ponto de vista pessoal, muda o modo de ver o mundo e as pessoas.

O que sente quando olha para o céu atualmente?
Saudade. Penso quando será a próxima vez que estarei lá.

Qual seu prato preferido?
Gosto de comida simples como arroz branco, bife, batatas, ovo frito. Também aprecio muito um bom churrasco.

O que gosta de fazer no momentos de lazer?
Gosto de ouvir músicas, tocar violão, desenhar, escrever, conversar com pessoas legais e verdadeiras.

Quais são suas atividades atualmente?
Inúmeras. Na área aeroespacial, continuo em Houston, assessorando o programa espacial brasileiro, se solicitado, nos contatos técnicos internacionais. No setor operacional, caso o Brasil decida fazer outra missão espacial, eu sou o único brasileiro qualificado, e estou pronto a reiniciar o treinamento específico. No setor militar, estou fora das atividades específicas da ativa desde 1998, quando passei a me dedicar às funções civis de astronauta. No setor privado, trabalho como engenheiro, trabalho em vários projetos de engenharia e consultorias a empresas. Na área de educação, tento passar meus conhecimentos profissionais e experiência pessoal por meio de palestras e treinamentos para instituições públicas e empresas. No setor social e ambiental, colaboro com muitos projetos em andamento no Brasil e no Exterior.

Que recado daria às crianças sobre o planeta e àquelas que também sonham em ser astronautas?
Para uma criança que tem um sonho, eu diria que ela já tem uma grande porcentagem do que precisa para realizar aquele sonho. É preciso acreditar no sonho. Se esforçar para realizá-lo. Ter persistência quando as coisas não funcionam exatamente. Comemorar cada passo, e saber que cada passo compõe uma parte importante do caminho para o sucesso. Para os pais eu diria o seguinte: olhe para o seu filho. Ele(a) é o seu maior projeto de vida. Merece tempo e dedicação...muito mais do que presentes caros no Natal e no aniversário. Merece conversa, abraço, carinho, incentivo e exemplo. Mostre coisas boas. Permita que ele realize seu máximo potencial. Incentive. Não coloque limites na sua imaginação. Acredite e apóie.


Fonte: Michele Médola -AGÊNCIA ANHANGÜERA
Data: 29/01/2008