A Estação Espacial
Internacional foi construída por meio de um acordo entre
16 países, incluindo o Brasil. No dia 9 de janeiro, foi comemorado
o Dia do Astronauta. Uma oportunidade para relembrar a trajetória
do astronauta brasileiro e conhecer o trabalho dele. Para isso,
tivemos uma boa conversa com Marcos Pontes. Leia a seguir os principais
trechos da entrevista.
ENTREVISTA - Bate-papo com
Marcos Pontes
Correio Criança —
Quando passou pela sua cabeça, pela primeira vez, a idéia
de ser um astronauta?
Marcos Pontes — A idéia de ser astronauta começou
a surgir ao longo da carreira de piloto, ou seja, aos poucos. Queria
voar cada vez mais alto e mais rápido. Lutar pelos sonhos
e realizá-los honestamente, sempre vale a pena.
O que é preciso estudar
para ser astronauta?
Astronauta é uma função civil. É preciso
ter uma formação acadêmica numa área
técnica como medicina ou engenharia. Na parte psicológica,
é necessário ter paciência e saber trabalhar
em equipe. Também é interessante ter cursos na área
operacional como ser piloto, mergulhador.
Como é o treinamento?
Quanto tempo leva? Onde é feito?
O treinamento é feito em Houston, no Texas (EUA), na NASA,
ou na Cidade das Estrelas, na Rússia. Ele é bastante
diversificado, até porque a atividade de astronauta é
assim. Temos que estar prontos para executar com precisão
tarefas em muitas áreas do conhecimento humano. Sistemas
de veículos espaciais são complexos, experimentos
realizados no espaço abrangem muitos campos diferentes e
nós, a tripulação, somos em número limitado.
Durante o treinamento, recebemos aulas de geologia, astronomia,
medicina, pára-quedismo, técnicas laboratoriais, oceanografia,
biologia e outros conhecimentos, conforme as necessidades da missão.
São muitos anos antes do primeiro vôo. Eu fui o segundo
a voar aqui da minha turma de astronautas na Nasa, a classe tinha
98 astronautas. Demorei oito anos!
O que é mais difícil
nesse processo todo?
Sempre haverá momentos de dificuldade a serem superados.
Esses momentos podem ser de causas naturais, ou resultados de uma
seqüência normal de eventos. A receita é simples:
pense em tudo como algo que irá ajudá-lo a ser cada
vez melhor.
Qual foi sua sensação
ao saber que iria mesmo ao espaço? E de ser o primeiro astronauta
brasileiro?
A responsabilidade de cumprir direito minha função
profissional. A sensação foi a melhor possível,
a repercussão foi excelente em todos os sentidos que realmente
interessam. Eu estava bem preparado, tanto física quanto
tecnicamente, e assim eu pude ir. Felizmente, conseguimos representar
o Brasil na Missão, fazer os experimentos, cumprir todos
os objetivos colocados pela Agência Espacial Brasileira, não
só levando a bandeira do Brasil, mas também levando
o coração de brasileiro, que eu acho que é
extremamente importante. Eu fico muito feliz em ter participado
disso.
O que sentiu quando entrou no
foguete?
Da mesma forma que me senti milhares de vezes. A decolagem é
um momento muito crítico do vôo, justamente por haver
um nível de risco bastante alto. São 200 toneladas
de combustível, queimando ali atrás. Mas como astronautas
profissionais, nós aprendemos a lidar com este nível
de risco durante muitos anos de treinamento. No momento em que nós
representamos um país, há uma bandeira conosco. Ela
torna-se o mais importante da missão que realizamos. Quando
nós sentamos ali, colocamos a vida pelo país, literalmente.
E depois, quando estava no espaço?
A sensação no espaço, depois dos três
primeiros dias é ótima. Me senti muito livre, é
uma sensação de liberdade muito boa. Ver o planeta
do alto, de longe, e ter a consciência de que temos que cuidar
deste planeta que é nosso, e que é o único
que nós temos. É bom que a gente tenha ciência
da importância de nossas florestas, de cuidar daquilo que
é importante para todos nós. Eu falo isso não
só pelo planeta, mas pelo Brasil.
Qual é a sensação
de ver o planeta de fora dele? O que passa pela cabeça? Sentiu
medo em algum momento?
O medo sempre existe, é uma coisa próxima, as pessoas
têm medo do medo. Não é para ter medo do medo.
O medo nos ajuda a manter a mente alerta, ajuda a enxergar o problema
e a pensar em uma solução para ele. A Terra vista
do espaço é maravilhosa. Os reflexos dos efeitos óticos
na atmosfera mudam de cor. É um planeta de muitas cores,
não é só azul. Tem verde das florestas, azul
dos mares, marrom dos rios, branco das nuvens, laranja dos desertos
e assim por diante. É um planeta lindo de se olhar e é
muito inspirador.
O que se come no foguete? E
a água? Banheiro?
A comida lá no espaço é igual aqui na Terra.
O gosto é o mesmo, o que muda um pouco é a forma dos
alimentos. Ela pode ser desidratada (quando tem que misturar água)
como sopas, chás e sucos. Também pode ser enlatada
como frango com arroz, carne com macarrão. Não tomamos
banho, usamos uma toalha molhada para isso. Para escovar os dentes,
fazer a barba, é tudo normal como aqui na Terra, sem problema
nenhum. Fezes e urina são sugadas e recolhidas em compartimentos
apropriados. Tudo isso fica guardado para depois retornar no Progress,
um veículo de transporte russo que é queimado durante
a reentrada na Terra. Nada é jogado no espaço.
O que mais o impressionou nessa
viagem?
São inúmeros momentos impressionantes. Voar a mais
de 28 mil km/h. Sair, literalmente, do planeta. Ver a Terra lá
do alto. Sentir-se sem peso. Flutuar. Pensar no que você realmente
é. Voltar e poder perceber o que são e como são
as outras pessoas realmente. Tudo é impressionante.
Falou com alguém da sua
família antes de partir? Como foi a despedida?
Falei por meia hora, no dia anterior da decolagem, com minha esposa,
meu filho e minha filha. A despedida é triste, como todas
são. Saber que aquela podia ser a última vez, também
foi triste.
E a volta? Como foi o retorno
à Terra? O que muda ao voltar para casa?
A carreira continuou normalmente. Para mim, do ponto de vista pessoal,
muda o modo de ver o mundo e as pessoas.
O que sente quando olha para
o céu atualmente?
Saudade. Penso quando será a próxima vez que estarei
lá.
Qual seu prato preferido?
Gosto de comida simples como arroz branco, bife, batatas, ovo frito.
Também aprecio muito um bom churrasco.
O que gosta de fazer no momentos
de lazer?
Gosto de ouvir músicas, tocar violão, desenhar, escrever,
conversar com pessoas legais e verdadeiras.
Quais são suas atividades
atualmente?
Inúmeras. Na área aeroespacial, continuo em Houston,
assessorando o programa espacial brasileiro, se solicitado, nos
contatos técnicos internacionais. No setor operacional, caso
o Brasil decida fazer outra missão espacial, eu sou o único
brasileiro qualificado, e estou pronto a reiniciar o treinamento
específico. No setor militar, estou fora das atividades específicas
da ativa desde 1998, quando passei a me dedicar às funções
civis de astronauta. No setor privado, trabalho como engenheiro,
trabalho em vários projetos de engenharia e consultorias
a empresas. Na área de educação, tento passar
meus conhecimentos profissionais e experiência pessoal por
meio de palestras e treinamentos para instituições
públicas e empresas. No setor social e ambiental, colaboro
com muitos projetos em andamento no Brasil e no Exterior.
Que recado daria às crianças
sobre o planeta e àquelas que também sonham em ser
astronautas?
Para uma criança que tem um sonho, eu diria que ela já
tem uma grande porcentagem do que precisa para realizar aquele sonho.
É preciso acreditar no sonho. Se esforçar para realizá-lo.
Ter persistência quando as coisas não funcionam exatamente.
Comemorar cada passo, e saber que cada passo compõe uma parte
importante do caminho para o sucesso. Para os pais eu diria o seguinte:
olhe para o seu filho. Ele(a) é o seu maior projeto de vida.
Merece tempo e dedicação...muito mais do que presentes
caros no Natal e no aniversário. Merece conversa, abraço,
carinho, incentivo e exemplo. Mostre coisas boas. Permita que ele
realize seu máximo potencial. Incentive. Não coloque
limites na sua imaginação. Acredite e apóie.