Voa
alto. É um avião? Não, é um pássaro
mesmo! Em russo, “Sokol” é um tipo de falcão.
Além disso, esse também é o nome dado ao
traje pressurizável utilizado durante as missões
espaciais do Soyuz. Assim como o Sokol, outros equipamentos do
programa russo também têm nomes de pássaros.
Um exemplo clássico é o macacão de atividade
extra-veicular “Orlan”, nomeado em homenagem a uma
espécie de águia russa.
Hoje, especificamente, vamos colocar o Sokol na gaiola e falar
um pouco sobre sua constituição e uso. Inicialmente
é importante ressaltar que a principal função
desse traje não é aparecer bem nas fotos das tripulações
antes do vôo. Seu objetivo primário é proteger
o tripulante no caso de uma eventual despressurização
da espaçonave. Um momento triste na história dos
vôos tripulados russos ocorreu em 1971, durante o retorno
da missão Soyuz 11. Naquele tempo, os cosmonautas não
usavam trajes conectados a um sistema de emergência pronto
para responder a uma perda de pressão de cabine durante
a reentrada na atmosfera. Devido à falha de uma válvula,
o Soyuz 11 foi completamente despressurizado no início
da reentrada. Isto é, todo o oxigênio do interior
da espaçonave foi ventilado para o exterior. No pouso,
os três tripulantes foram encontrados mortos. Lição
aprendida, hoje em dia os sistemas estão aperfeiçoados.
Uma falha semelhante iria imediatamente ativar o sistema de pressurização
dos trajes Sokol, garantindo nossas vidas até o solo. A
contraparte americana do Sokol é o traje “ACES”
(Advanced Crew Escape Suit), utilizado durante as fases de subida
e descida do Ônibus Espacial. Aquele traje de cor laranja
que costumamos ver a tripulação vestindo durante
o embarque. Já fiz uma série de treinamentos com
ele.
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traje
russo “SOKOL” |
traje americano “ACES” .(Advanced
Crew Escape Suit) |
Mas,
voltemos ao nosso falcão na gaiola. Em termos de constituição,
o Sokol é composto de duas camadas básicas: uma
interna e uma externa. A parte interna é feita de material
elástico, um tipo “borracha”, com a função
de manter a pressão do oxigênio eventualmente bombeado
para o traje pelo sistema de pressurização da espaçonave.
A camada externa é feita de um tecido resistente às
chamas chamado “Lavsan” ou “Dacron”. O
macacão é praticamente uma peça só.
Isso facilita bastante as “trocas de roupa” durante
a missão no ambiente da espaçonave, restrito e sem
gravidade. As luvas são as únicas partes que têm
de ser conectadas. A entrada no traje é feita pela frente,
através de uma abertura na barriga. Primeiro colocam-se
as pernas. Depois encaixam-se os braços e a cabeça.
A abertura na camada de pressurização é fechada,
ou selada, por um processo bastante simples. As bordas da abertura
são unidas e dobradas em sanfona até tornarem-se
apenas um “maço”. Depois, segurando esse “maço”
com uma das mãos, enrolam-se dois elásticos ao redor
do “maço”, selando firmemente a abertura e
garantindo que o oxigênio sob pressão no seu interior
não irá vazar. Por último são colocadas
as luvas. O capacete é parte integrante do corpo do traje.
Não precisa ser conectado separadamente, apenas necessitamos
fechar o visor para garantir a pressurização.
. 
Abaixo
do traje usamos sensores biomédicos instalados no peito,
um “pijama” de malha e um gorro de couro equipado
com fones e microfones.
No
veículo, uma vez posicionados nos respectivos assentos,
conectamos os nossos trajes aos sistemas da espaçonave.
São quatro conexões: um cabo elétrico que
transmite os nossos batimentos cardíacos e freqüência
de respiração para a telemetria médica, um
cabo de comunicações, um tubo para ventilação
e um outro tubo para oxigênio.
Durante a primeira parte da missão (ida para a Estação
Espacial Internacional - ISS), utilizamos esses trajes na decolagem,
aproximação e “docagem” com a ISS. No
regresso, os trajes são utilizados desde a separação
da estação até o pouso.
Antes da decolagem e durante a preparação para deixar
a ISS, testamos a integridade do equipamento através de
um teste de vazamento de pressão. Com luvas instaladas
e visor fechado, o sokol deve ser capaz de receber e manter a
pressão de oxigênio segundo um protocolo estipulado
de tempo conforme o procedimento. Isso é necessário
para assegurar que o sistema irá funcionar durante uma
emergência.
No caso de uma perda de pressurização da cabine,
em altitude superior a cinco kilometros, o “Sistema de Suporte
à Vida” do veículo pressuriza os trajes com
um fluxo contínuo de oxigênio. A pressão no
interior de cada traje é automaticamente mantida constante
através de um regulador mecânico. Aquela válvula
azul que fica no centro do peito. Desse modo, com os trajes pressurizados,
hoje em dia podemos sobreviver ao evento de uma falha semelhante
àquela que vitimou os tripulantes da Soyuz 11, em 1971.
Certamente existem muitos outros aspectos operacionais sobre o
Sokol e seus sistemas auxiliares. Contudo, esse detalhamento não
é o nosso objetivo aqui. Por outro lado, em complemento
às descrições técnicas acima, existe
um ponto que eu gostaria de salientar. É importante deixar
claro que na atividade espacial, assim como em outras tantas,
de uma forma ou de outra, somos um tipo moderno de “pioneiros”.
Falhas, incidentes e acidentes acontecem. Aprendemos através
deles e podemos, assim, garantir que futuras gerações
tenham sistemas mais seguros. Essa é parte essencial de
nossa missão e, por essa razão, assumimos riscos.
Algumas vezes vidas são perdidas. Mas pior do que perder
vidas é desperdiçar o sacrifício de pessoas
que, literalmente, dedicaram tudo pelos ideais e pela busca do
conhecimento para o bem dos seus semelhantes. Evitar que isso
aconteça é a parte das tarefas da missão
que “fica para os que ficam”.
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