
Acabaram
as festas do final de ano. Precisando de uma dieta? Quando se
trata de comidas leves, isto é, no sentido de não
ter peso, é claro que o cardápio no espaço
é imbatível! O gosto não é ruim. Ao
contrário. Os comprimidos, pastas e outras variedades que
alimentaram os mitos sobre o assunto agora são coisa do
passado. Na verdade os pratos atuais são bastante comuns,
e saborosos. Logicamente, como bom brasileiro, este fato que não
elimina a possível saudade de uma boa feijoada ou “daquele”
churrasco do final de final de semana! Diferente mesmo é
a preparação desses alimentos que, quando existe,
usa estranhos sistemas. Certamente seria difícil ter um
fogão de quatro bocas a bordo. Mais difícil ainda,
seria montar “aquela” churrasqueira improvisada de
roda de Volkswagen Impressionante como ficam bons os espetos nesse
tipo de “equipamento culinário”.
Bom mesmo seria ter o modelo de “cozinha” semelhante
aquela do seriado “Jornada nas Estrelas”. Seleção
de cardápio por voz, preparação instantânea.
Quem sabe um dia desses? Por enquanto vamos tocando a vida manualmente
mesmo.
A questão da alimentação no espaço
se divide em três aspectos principais: transporte, utilização
e eliminação do lixo. Um cardápio completo
de problemas. Mas não se preocupe, vamos deglutir esse
material aos poucos. Primeiro, há que se considerar o peso
para o transporte. Qualquer economia nesse sentido é “bem
vinda”. Tecnicamente falando, talvez fosse mais correto
dizer que essa economia é “bem ida”, visto
que, na verdade, o que existe é a necessidade de transportar
os alimentos da Terra para o espaço. Portanto, de forma
geral os alimentos são embalados em pequenas porções
individuais, concentradas, para reduzir seu volume, ou desidratadas,
para reduzir sua massa.
Cada tripulante tem sua própria “caixa de alimentos”,
com seu nome escrito na tampa. Dentro, o seu cardápio personalisado
embalado em porções diárias. Tudo extremamente
organizado. A espaçonave de transporte russa “Progress”
atualmente faz todo o serviço de entrega a domicílio.
Infelizmente, pizzas sempre chegam frias! Diga-se de passagem,
a “Progress”, entre muitos outros itens, também
leva água para a Estação Espacial. Uma preciosidade!
Uma vez no espaço, chega o momento da preparação
e consumo das refeições. Mas não vale assaltar
a geladeira durante a noite. Não só porque não
existe geladeira a bordo, mas também porque os horários
para todas as atividades a bordo são rigidamente programados.
Bem, quase todas! No plano diário temos meia hora para
o café da manhã, uma hora para o almoço e
trinta minutos para o jantar. O consumo é antecedido da
preparação de cada item. Antes de descrever esse
procedimento, é interessante dar uma olhada no processo
de escolha dos cardápios individuais. Cientes do efeito
normal de perda de apetite durante o vôo, torna-se essencial
que todo alimento enviado para consumo no espaço esteja
completamente ao “gosto do cliente”. Isso reduz um
pouco os efeitos de perda de paladar e apetite em órbita.
Assim, meses antes do vôo, cada um de nós passa por
uma semana inteira de degustação de comidas espaciais.
Durante aquela semana, testamos todos os ítens disponíveis.
Café da manhã, almoço e jantar. Somente comida
espacial. Cada uma delas recebe notas de um, que significa “detestei”,
até nove para “adorei”. Baseados nesses resultados,
os nutricionistas montam o nosso menu diário. Tudo é
lançado ao espaço antes da nossa chegada. Toda a
minha alimentação, por exemplo, viajou no último
cargueiro e já está a bordo da ISS.
Voltando à preparação, tudo funciona de maneira
bastante simples. Comidas enlatadas são consumidas diretamente.
Basta abrir as latas. No nosso “kit” pessoal temos
um abridor de latas, duas colheres e um garfo. Obviamente, deve-se
tomar cuidado para não deixar alimentos “flutuando”
ao nosso redor enquanto tiramos dos recipientes e levamos à
boca. As refeições são feitas à mesa
e, normalmente com toda a tripulação reunida. Ótima
hora para colocar o assunto em dia. Os pés presos sob a
mesa, recipientes fixados por velcro. Parece até uma mesa
comum. Contudo, no seu centro, encontra-se um aquecedor elétrico
de contato que é utilizado para alguns tipos de alimento
semelhantes às rações de campanha das forças
armadas. Na cabeceira, fica o sistema de fornecimento de água
reciclada. que utiliza água recuperada de condensação
do ar da espaçonave. O sistema coleta a humidade do ar,
normalmente gerada por equipamentos, suor, etc, e deposita em
tanques primários. Após vários estágios
de filtragem e tratamento a qualidade de porções
de água é automaticamente testada. Se considerada
boa para consumo, ela é transferida para o tanque de consumo
humano. Caso contrário, a porção é
transferida para os tanques de uso técnico, como refrigeração
dos equipamentos, produção de oxigênio, etc.
A água do tanque para consumo humano é utilizada
na preparação dos alimentos desidatrados, assim
como para sucos, sopas, chá, café, e outros. Basta
encaixar o recipiente na saída do sistema e selecionar
a quantidade correta do líquido.
É importante evitar o consumo de itens que não se
apresentem saudáveis. Naturalmente uma disfuncão
intestinal espacial (fica até elegante com esse nome) não
seria nada agradável. Esse assunto nos leva ao último
aspecto da questão alimentar: o lixo produzido.
Todo o material a ser descartado é alojado em recipientes
e containers especiais no último veículo de transporte
“estacionado” na Estação Espacial. Depois
de período previsto e devidamente carregado com lixo e
outros materiais para destruição, esse veículo
é desacoplado da ISS, e será completamente queimado
em sua reentrada na atmosfera terrestre. Assim, a última
questão do ciclo alimentar no espaço fica resolvida.
Permanece, contudo, o desejo que só se calará depois
do pouso: que saudade daquele churrasco!
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