Lá
fora, as nuvens passam rápido. Camadas e camadas brancas
ficando para trás enquanto aceleramos...contra a gravidade.
Seria bom se pudéssemos ver alguma coisa pelas pequenas
janelas do módulo. Contudo, a espaçonave é
protegida durante grande parte da subida por um revestimento metálico
que será descartado apenas no final dessa fase.
Os momentos que antecedem a decolagem são de ansiedade.
A mesma ansiedade que aprendemos a transformar em atenção
durante a dinâmica do vôo. O traje Sokol, obviamente,
não é confortável. Mas meu corpo ajusta-se
perfeitamente ao pequeno assento do lado direito da cápsula.
Na janela posso ver o reflexo da bandeira do Brasil, fixada no
meu braço esquerdo. O sentimento é de um certo conforto.
Não estou só.

A
vibração é característica. O funcionamento
dos motores de combustível líquido do nosso foguete
fazem toda a estrutura vibrar. Vibramos por dentro também.
A trajetória é dividida em estágios. Na verdade,
toda a propulsão do foguete é dividida em três
estágios. No final de cada estágio, aquela parte
do foguete, já vazia de propelente, é descartada
e cai. Isso causa uma redução de peso no veículo
e ajuda na difícil tarefa de “vencer a gravidade”
rumo ao espaço.
Dentro da nave, os cintos de segurança que nos prendem
aos assentos são muito bem apertados. Imagine, cada término
de estágio e acendimento do subsequente causa uma desaceleração
seguida de uma brusca aceleração. Caso não
estivéssemos com os cintos extremamente ajustados, poderíamos
ser arremessados contra o painel quando o estágio terminasse.
Logo depois, seríamos jogados de volta ao assento pelo
acendimento do próximo estágio. É realmente
uma boa idéia apertar os cintos.
Essa dificuldade de vencer a gravidade parece-me muito como um
pequeno laboratório da nossa própria vida. Buscamos
nossos ideais. Lutamos contra a “gravidade”. Precisamos
de vários estágios. Temos que esquecer cada estágio
passado e descartar. Isso alivia o peso. Ajuda a vencer o próximo
momento. Sentimos ansiedade quando chega próximo ao momento
de mudança de estágio. Será que tudo vai
funcionar? Será que o próximo estágio vai
acender? Será que a separação vai ocorrer
normalmente? Meus cintos estão apertados o suficiente para
me manter no lugar durante toda essa mudança?
Interessante como as coisas se assemelham. Deixo para cada um
associar à sua experiência profissional, a aceleração.
Durante a subida, ficamos submetidos a grandes variações
de aceleração. Chamamos de “g”, como
referência à gravidade. Na situação
normal, parados na superfície da Terra, estamos constantemente
submetidos a um “g”. Isso garante o nosso peso usual.
Na subida, durante cada estágio, a aceleração
vai gradualmente sendo aumentada até o final do estágio.
No final do primeiro estágio, por exemplo, a aceleração
é de quatro “g”. Isto é, nosso corpo,
naquele momento, pesa quatro vezes mais. É uma pressão
considerável no peito. Quem leu o artigo sobre os testes
em centrífuga que eu escrevi já teve uma boa idéia
sobre esse assunto. Assim que o primeiro estágio acaba,
a aceleração cai bruscamente para zero e depois
já começa a subir novamente, com a partida do segundo
estágio.
Essas variações todas ocorrem durante todos os oito
minutos e meio da subida. Parece pouco, não é? Depois
desse tempo de subida, já estamos a 200 kilometros de altitude,
com apenas a nossa espaçonave, o Soyuz. Todos os estágios
de propulsão ficaram no caminho. Estamos livres da gravidade!
Bem vindos ao espaço!
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