Viver
em órbita. Sem gravidade. Coisas interessantes. Coisas
bonitas. Coisas estranhas. O corpo também acha. É
necessário adaptação. O nosso organismo,
desenvolvido por milhares de anos no ambiente da superfície
do planeta e submetido à gravidade terrestre, reclama.
Enjôos são sintomas comuns durante a fase inicial,
mas não são os únicos.
Desorientação espacial é também muito
frequente nos primeiros dias. Esses dois sintomas são ligados
diretamente aos efeitos do ambiente novo sobre o nosso sistema
vestibular. O cérebro passa a ter informações
confusas entre os sensores, isto é, os olhos dizem uma
coisa, enquanto o sistema vestibular diz outra. Resultado? Grande
chance de ver o alimento pela segunda vez.
A circulação sanguínea também sofre
impactos do ambiente. Nosso sistema circulatório naturalmente
compensa os efeitos da aceleração vertical constante
da gravidade sobre o movimento do nosso sangue pelo corpo. E no
espaço? Aí não tem mais a gravidade. Mas
o corpo ainda “não sabe” disso nos primeiros
dias. Assim, continua a pensar que é mais difícil
levar o sangue à cabeça do que aos pés. Provavelmente,
durante a primeira transmissão de TV, ao vivo, diretamente
da EEI / ISS, você vai pensar que eu engordei uns 20 kilos.
Rosto inchado e vermelho. Características normais, além
das dores de cabeça, desse estágio de adaptação
do corpo para controlar a distribuição do sangue
sem gravidade.
Também vou crescer cerca de uma polegada durante o tempo
em órbita. Ocorre uma distenção da coluna
vertebral devido à falta da força vertical causada
pela gravidade. Cuidado é necessário. Ajustar o
comprimento do macacão para o regresso também. Depois
do pouso voltamos ao normal, espero.
A questão de perda de densidade óssea também
é fato, mas é mais pronunciada, logicamente, para
os vôos de grande duração. Espero não
ficar com osteoporose depois do vôo.
Radiação é problema sério. A falta
da proteção da nossa atmosfera, nos expõe
a um ambiente com níveis bem mais altos de radiação.
Carregamos conosco, o tempo todo no espaço, um medidor
de dosagem de radiação. Sem qualquer função
de proteção, serve apenas para controle após
vôo.
Também perdemos tônus muscular. Por essa razão,
precisamos de exercícios diários em órbita.
Não resolve totalmente, mas ajuda na recuperação
pós-vôo.
Existem outros efeitos, mas talvez seja bom parar por aqui com
essa propaganda negativa. Afinal, queremos mais brasileiros no
espaço em breve. Eu estarei lutando por isso, e não
quero perder candidatos!
Vamos falar das coisas boas da órbita. Vamos olhar pela
janela. Ver o mundo passar rapidamente sob nossos pés.
Ver esse nosso Brasil por inteiro, tão rico e cobiçado.
Nossa terra, nossa gente, nossa responsabilidade. Ver o nascer
e o pôr do sol a cada 90 minutos, iluminando e fazendo brilhar
uma espécie de “aura” ao redor desse nosso
maravilhoso planeta azul.
Vamos olhar para as estrelas, e ver o quanto somos pequenos nesse
universo. E quanto é importante entender que somos parte
de uma coisa tão grandiosa. Ser feliz por isso. Sentir
a calma de saber que não controlamos o universo, mas que
recebemos Dele a força para vivermos, felizes.
Dentro da Estação, um pequeno “mundo”
de tecnologia e ciência, com uma grande responsabilidade:
é possível construirmos juntos algo bom para todos,
independentemente de cultura, raça, língua, religião
ou qualquer outra desculpa para discórdia.
O dia-a-dia a bordo se divide em atividades do cotidiano, como
dormir, escovar os dentes, fazer a barba, ir ao banheiro, fazer
as refeições, tomar banho (com toalhas molhadas),
etc, e tarefas profissionais, cuidar da manutenção
dos sistemas dos veiculos e realizar os experimentos brasileiros.
Tudo é sincronizado por dois documentos: o plano de vôo
e o formulário 24. Eles descrevem com detalhes o que devemos
fazer a cada minuto a bordo.
Nossos experimentos estão localizados no compartimento
de acoplamento do segmento russo. Aqui é onde passo a maior
parte do meu dia. Entre equipamentos, fios, procedimentos, outros
papéis, e a bandeira do Brasil estendida na parede. Tudo
precisa ser feito corretamente. Cada segundo é precioso.
A vida é dura por aqui. Mas vale a pena. Não dá
vontade de dormir. Parece tempo perdido. Mas os médicos
insistem. É necessário. Entro no meu “saco
de dormir”. De tempos em tempos olho pela janela. Penso
em muitas pessoas, situações, sorrisos, emoções,
lembranças boas. A cor do planeta me lembra os olhos de
minha mãe. Ela deve estar feliz. Saudades e um sorriso
de satisfação. “Obrigado!” .... Boa
noite!
A
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